Entre o mito e a realidade da ZFM? Quem falhou?


N as últimas horas têm surgido textos que colocam a Madeira no centro de teorias sobre crime organizado, lavagem de dinheiro e guerra híbrida, como se a Região fosse um bastião de operações russas ou o palco de uma disputa geopolítica (txt1, txt2). Misturam-se elementos reais, porque o crime financeiro internacional existe e já envolveu bancos dos Bálticos, Chipre ou Londres, com conclusões totalmente desligadas da realidade institucional madeirense. Antes de dramatizar, importa esclarecer o essencial: a Madeira não tem competências de supervisão financeira.

A Região não licencia bancos, não congela contas, não verifica origem de fundos, não aplica sanções da União Europeia, não controla transferências internacionais e não investiga redes de branqueamento. Tudo isto é competência exclusiva do Estado português e das autoridades europeias: Banco de Portugal, Autoridade Tributária, Polícia Judiciária e sua Unidade de Informação Financeira, Banco Central Europeu, EUROPOL. A Madeira, enquanto Região, não abre nem fecha contas; limita-se a registar empresas, tal como qualquer conservatória do país. Já os advogados e contabilistas têm deveres de identificação e diligência, controlo interno, comunicação de operações suspeitas, abstenção/recusa, conservação, exame, colaboração e formação.

Convém também lembrar que o regime fiscal da Madeira é hoje uma das jurisdições mais escrutinadas da União Europeia. Está sujeito ao Registo de Beneficiário Efetivo, à troca automática de informação (CRS), às diretivas europeias de prevenção ao branqueamento de capitais, ao reporte obrigatório à UIF e ao controlo permanente da Autoridade Tributária e da Comissão Europeia. Não existe “vazio legal”. Uma empresa registada na Madeira não movimenta dinheiro: quem movimenta, e responde por isso, é sempre a banca. Se houve falhas, elas ocorreram num banco ou num supervisor, nunca numa porta com placa.

Outra coisa é discutir corrupção local, obras públicas, conivências político-económicas e falta de escrutínio. Isso existe e merece debate sério. Mas transformar a Madeira num grande tabuleiro da guerra Rússia/Ucrânia, ou numa peça central da criminalidade financeira global, é um desvio completo da realidade e não ajuda a resolver problema nenhum.

A Madeira tem desafios reais, sociais e económicos, mas não se torna mais informada nem mais forte quando se confunde a Região com uma ficção conspiratória. O combate ao branqueamento exige rigor e provas; não se faz com alarmismo. Se queremos discutir crime financeiro, falemos do que é real: quem supervisiona, quem investiga e quem tem competência legal para agir. E nenhuma dessas funções pertence à Região Autónoma da Madeira.