Moral à medida


H á quem confunda argumentação com recreio da irritação. Basta atirar um “wokismo” pela janela, juntar duas acusações sobre “educação” e “princípios”, mexer bem, e pronto: está feita a indignação instantânea, versão micro-ondas. O problema é simples: nada disto é moral, civismo ou razão, é apenas barulho embalado como virtude. Na Madeira, onde a crítica se faz muitas vezes ao serviço da guerra santa contra tudo o que mexe, não surpreende que a nudez se transforme num espantalho conveniente. Dá jeito: distrai, ocupa, e sobretudo evita enfrentar aquilo que realmente fere a moral pública, nepotismo, clientelismo, obras fantasma e orçamentos que evaporam mais depressa do que pudores no verão.

A ironia, claro, é deliciosa: querem defender o civismo através da incivilidade, exigir moral através do insulto, e promover educação com um vocabulário que faria corar a taberna da esquina. Dizem que é “princípio”; parece mais síndrome de choque moral seletivo, aplicado só quando convém.

Entretanto, o resto da Europa vive noutro século. Em Portugal, França, Espanha, Suécia, Irlanda, Finlândia, Alemanha e Áustria, o nudismo contextualizado é perfeitamente normal, praias oficiais, saunas, spas, eventos públicos regulados. Sociedades altamente organizadas convivem com a nudez sem derreter a ética colectiva. Nenhuma entrou em colapso civilizacional porque alguém decidiu que o corpo humano não é arma de destruição massiva. Mas aqui, basta aparecer um tornozelo à mostra para alguns entrarem em êxtase moralista, enquanto fecham os olhos a negócios duvidosos, favores cruzados e moralidade que só se acende quando há pele, nunca quando há poder.

O ataque à nudez diz muito mais sobre quem ataca do que sobre quem se despe. Mostra medo, desconforto, uma urgência infantil em controlar o corpo do outro enquanto se ignora o que realmente corrói o espaço público: a ausência de transparência, o abuso da confiança pública e a normalização da opacidade política. A nudez não magoa ninguém; a hipocrisia institucional, sim.

O verdadeiro problema não é a pele, é a pobreza do argumento. Quem denuncia “decadência moral” sem definir moral, quem grita por civismo através da rudeza, quem acusa de ignorância sem apresentar uma única premissa sólida está apenas a confessar que não tem argumento nenhum. Tem irritação, tem medo, tem reflexos condicionados, mas não tem pensamento.

O corpo nu não ameaça a sociedade. O discurso nu, despido de lógica e rigor, esse sim, causa danos. E desses temos visto demasiados.