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A ideia de que André Ventura é um “espelho psicológico da nação” é encantadora, no mesmo sentido em que um espelho de um parque de diversões nos “revela” a nossa verdadeira forma. Há quem olhe para aquele reflexo distorcido e exclame: “Finalmente! Eis Portugal!” Talvez precisem de ajustar a miopia. Ou a autoestima.

Não, Ventura não rasgou véus, não quebrou silêncios, não desencantou demónios políticos escondidos nas paredes do regime. O que fez foi muito mais prosaico: aprendeu que, num país cansado e desatento, basta falar alto, repetir temas simples e posar para a câmara com ar de mártir para gerar manchetes. Se isto é um “tsunami”, então uma torneira a pingar é um furacão.

A tese de que “a democracia criou Ventura” é outra pequena pérola. Como se o sistema, exausto de gerir orçamentos e crises, tivesse decidido numa tarde aborrecida: “Sabem o que falta? Um populista vocacionado para reality show político! Vamos lá criar um.” Se fosse assim tão fácil, já teríamos produzido dez. Sazonalmente. Em caixas de seis.

A verdade é bem menos romântica: nas democracias abertas, há espaço para tudo, debates sérios, ideias sensatas, e também para figuras que sobrevivem politicamente com as mesmas ferramentas que alimentam influencers. Ventura não é a prova de que o regime está decadente; é a prova de que o Wi-Fi funciona.

E quanto à ideia de que ele “obriga Portugal a olhar-se ao espelho”, isso é mesmo o auge da metáfora dramática: não há espelho nenhum. Há apenas um megafone apontado a um país que já está farto de ruído. Se a nação quiser olhar-se a sério, tem de desligar o som, não de aumentar o volume.

Em síntese, Ventura não é destino, não é inevitabilidade e não é revelação divina. É apenas um produto ocasional de frustração social, amplificado pela tecnologia e por um mercado político com espaço para performances. A democracia não o criou, simplesmente não o impediu. Da mesma forma que também não impede música pimba, novelas de verão ou campanhas de influenciadores a vender chá detox.

O sistema não está decadente porque Ventura existe. Ventura existe porque o sistema permite a liberdade suficiente para que qualquer pessoa, com talento para o espectáculo e apetite pela polémica, possa tentar a sua sorte. E esta, ironicamente, é a melhor prova de que a democracia está viva, por vezes demasiado viva para o gosto de alguns.