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| Papagaio de plumagem multicolor, como quem muda a cor das unhas conforme a necessidade. |
Quando a propaganda se sobrepõe ao escrutínio
A frase “Portugal precisa de mais Madeira” serviu de manchete a propósito da cerimónia das 500 Maiores Empresas, evento de regime, onde o ministro da Economia elogiou o dinamismo empresarial da Região. É uma declaração bonita, sonora, feita para cair bem em palco e para fazer rodar as engrenagens do marketing político. Porém, como tantas outras frases de efeito, diz muito menos do que promete, ou então diz apenas o que convém.
A verdade é que estas cerimónias existem num universo à parte. Enquanto no palco se celebram empresas, se distribuem prémios e se multiplicam elogios à vitalidade económica, em causa própria, fora da sala há uma realidade bem menos glamorosa: um clima judicial denso que, nos últimos anos, tem colocado a Madeira nas manchetes nacionais por motivos pouco "edificantes". Investigações da Justiça envolvendo governantes, ex-governantes, autarcas e empresários influentes tornaram-se parte do quotidiano informativo. Estavam no evento? As suspeitas são diversas: favorecimento económico, abuso de poder, corrupção, tráfico de influências, irregularidades em contratação pública.
Nenhuma destas investigações é uma condenação antecipada, e bem. A justiça deve trabalhar com rigor e independência, longe das fogueiras públicas. Mas seria ingénuo ignorar o óbvio: a dimensão e recorrência destes casos refletem problemas estruturais profundos. O tecido político e empresarial da Região tem sido, durante demasiado tempo, um organismo fechado, onde confluem interesses que dificilmente se distinguem entre públicos e privados. O evento é um exemplo de fusão.
Não surpreende, por isso, que em determinados momentos se instale a sensação de que parte da economia regional cresce não apenas pelo mérito das empresas, mas pela proximidade ao poder político. São relações de dependência e conveniência que, repetidas ao longo de décadas, criam um ecossistema onde quem está dentro prospera e quem está fora dificilmente entra. O resultado? Um mercado viciado e um espaço público que se torna cada vez mais impermeável à crítica. E se alguém se atreve apanha com as azias, as censuras e as narrativas que visam desacreditar.
É neste contexto que as frases feitas ganham outro significado. “Portugal precisa de mais Madeira” soa bem, mas oculta o que importa discutir: que Madeira? A Madeira do empreendedorismo genuíno ou a Madeira da promiscuidade? A Madeira da inovação ou a Madeira dos corredores de influência? A Madeira que exporta talento ou a Madeira que perde pessoas qualificadas porque o sistema lhes fecha portas?
E não é difícil perceber como se mantém este equilíbrio artificial. O dinheiro compra muita coisa. Compra palcos, compra manchetes amistosas, compra cerimónias onde ninguém arrisca uma pergunta incómoda. Compra papagaios que repetem a narrativa oficial com disciplina e entusiasmo, enquanto se desvia o olhar das zonas de sombra que insistem em não desaparecer. A bajulação torna-se moeda corrente. O aplauso fácil substitui o escrutínio.
Portugal precisa de mais Madeira, sim, mas daquela Madeira capaz de enfrentar os seus problemas, não de os maquilhar; daquela que exige transparência real, e não discursos bem decorados; daquela onde o poder público serve a população e não se serve dela. Não discursos de gentileza que alguns na plateia aplaudem como normalização ...
Tudo o resto são efeitos especiais para entreter plateias enquanto o essencial continua por resolver.
Bem dizem que estão a ficar iguais ao nosso Presidente lá na República.
