H á perguntas que nenhum governo quer ouvir, mas que qualquer trabalhador compreende de imediato: que futuro existe para uma economia que exige excelência, mas paga sobrevivência? Esta é, hoje, a contradição mais evidente, e mais silenciada, do mercado laboral madeirense.
A hotelaria continua a apresentar-se como um caso de sucesso, um motor económico, uma “marca Madeira”. Mas por detrás da narrativa de prosperidade esconde-se um modelo que vive de desigualdade estrutural: ordenados baixos, horários devastadores, alojamento incomportável e uma fiscalização tão permissiva que se confunde com ausência.
Não se trata de falta de mão-de-obra; trata-se de falta de condições dignas para quem trabalha.
O resultado está à vista: jovens qualificados que saem, trabalhadores experientes que desistem e empresas que, para reduzir custos, recorrem a sucessivas contratações de pessoal sem formação adequada, um círculo que degrada a qualidade dos serviços, cria instabilidade e perpetua a ideia falsa de que “ninguém quer trabalhar”.
Quer-se trabalhar, sim. O que não se quer é ser explorado.
A incoerência é tanto mais evidente quanto visível: exige-se um profissionalismo impecável enquanto se oferece uma precariedade permanente; exige-se uma dedicação absoluta enquanto se remunera com mínimos que mal cobrem o rendimento; exige-se “excelência” enquanto se aceita que muitos trabalhadores vivam pressionados, exaustos, sobrecarregados e em condições que nenhum responsável político aceitaria para si.
A pergunta torna-se inevitável: como pode a região ambicionar qualidade quando incentiva um sistema assente no desgaste e na rotatividade permanente?
E mais, por que razão continuam as autoridades a ignorar o óbvio? A ARAE, a ACT, a Secretaria de Turismo, as associações patronais e os sindicatos conhecem estes problemas há anos. Nenhuma surpresa. Nenhuma novidade. O silêncio não é inocente; é estrutural.
O mercado de trabalho madeirense tornou-se um paradoxo moral: quem produz riqueza não a vê, quem sustenta o sector não é sustentado por ele, e quem define políticas parece mais comprometido com a narrativa do que com a realidade.
Isto não é modernização. Não é progresso. É simplesmente um modelo que se esgotou.
Há um princípio simples que qualquer economia saudável reconhece: sem trabalhadores valorizados, não há sectores de excelência; existem apenas sectores de fachada. Enquanto a hotelaria continuar dependente de baixos salários, falta de formação estruturada, ausência de fiscalização real e de uma política pública que premeie a quantidade em vez da qualidade, a ilha continuará presa ao mesmo ciclo, brilhante por fora, frágil por dentro.
Não se trata de ideologia. Trata-se de dignidade.
E a dignidade não é um extra. É a base de qualquer sociedade que se leva a sério.
A Madeira tem tudo para ser um exemplo nacional. Só falta a coragem política para admitir que a prosperidade não se constrói com discursos, constrói-se com trabalhadores respeitados, valorizados e devidamente remunerados.
Até lá, continuará a existir uma distância perigosa entre a Madeira que se anuncia e a Madeira que realmente trabalha.
