Ventura pediu a cabeça de Albuquerque. A resposta do PSD não será essa.


V entura anda a pedir a cabeça de Albuquerque, mas, infelizmente, está a ser enganado e, na Madeira, não tem água com que se lavar. Aqui, enquanto se exige uma cabeça em público, prepara-se discretamente a entrega de outra. É assim que funciona o poder insular, troca-se o símbolo, preserva-se a máquina.

Em São Vicente, o que está a acontecer já não é segredo. Corre em todos os círculos políticos e sociais da Madeira: um presidente de Câmara eleito por um partido que rapidamente se tornou um peso; almoços estratégicos com o candidato laranja preterido; um construtor civil a surgir no enredo; e, sobretudo, a mão colocada na engrenagem através de um chefe de gabinete alinhado com o PSD/Madeira, pronto a comandar o quotidiano da autarquia.

Isto não é reciclagem. É fuga. São Vicente está, na prática, a preparar-se para entregar a Câmara a um PSD disfarçado, porque, entre um PSD “de sempre”, mesmo quando vem mascarado, e o atual Chega/Madeira, escolhe o primeiro. Não por entusiasmo, mas por instinto, prefere o previsível ao imprevisível, o conhecido ao risco.

O caso resume bem o problema, deserções rápidas, alianças de ocasião e a política local transformada em jogo de sobrevivência. O Chega, para alguns, não é causa. É veículo, estatuto, acesso, bens e vantagens, muito longe do moralismo que se vende aos eleitores.

Ventura pede a cabeça de Albuquerque, mas aquilo que lhe vai ser entregue é outra cabeça: a cabeça daquele que, afinal, anda a mentir. A cabeça de quem, por se achar um empregado menor ao serviço de um poder maior, um empregado do “Petite Salazar” regional, acredita que consegue “mudar” o Chega/Madeira, quando na verdade o trata como aquilo que pensa que é, um instrumento descartável, uma boleia temporária.

Há quem já tenha perdido autoridade moral, credibilidade e sentido de missão. Perdeu a “catedralidade”, a verticalidade ética mínima. E é por isso que, ao pedir a cabeça de Albuquerque, Ventura está a pedir a cabeça errada.

Aqui não é a cabeça de Miguel que faz sentido exigir, André Ventura tem de pedir outra cabeça. A cabeça que há muito deveria ter rolado na Madeira não é a do presidente do Governo Regional, mas a de quem transformou o Chega num atalho pessoal, numa feira de vaidades e num instrumento de proveito próprio.

Quanto ao poder instalado e aos “Petite Salazares” desta terra, quando perceberem que este tipo de contratado menor só traz problemas, porque atua ao nível do carteirista de rua, o resto é tudo igual: substituem-no. Empregados passam. A máquina fica. E Miguel quer quatro anos de poder absoluto; não precisa de empregados desta laia.

É pena que ninguém diga isto a André Ventura. Ou, se já lhe disseram, é tempo de ele ouvir. Na Madeira, nem todas as cabeças pedidas são entregues. Mas todas as máscaras acabam por cair.

(*)

  • Observador (26 de maio de 2024): Publicou o título "Ventura tenta transformar estagnação em vitória e exige cabeça de Albuquerque". Nesta altura, André Ventura afirmou que não haveria qualquer acordo de governação se o líder do PSD-Madeira se mantivesse no cargo.
  • Visão/Lusa (29 de janeiro de 2024): Ventura defendeu que Albuquerque devia sair "o mais rápido possível" por uma questão de "higiene política", após este ter sido constituído arguido num processo de suspeita de corrupção.
  • Sábado/DN (julho de 2024): O Chega manteve a saída de Albuquerque como "condição fundamental" para qualquer viabilização do Programa de Governo, com Ventura a recusar "ceder em princípios".
  • Esta pressão culminou na moção de censura apresentada pelo Chega na Madeira, que acabou por levar à queda do Governo Regional de Miguel Albuquerque em dezembro de 2024 (aprovada com os votos de toda a oposição).