Os ases da estrada


C onduzir, por incrível que pareça para os “pilotos” da via rápida, não é fácil. Estou a falar de conduzir, não guiar um carro, isso é fácil depois da curva de aprendizagem entre a escola e a prática do dia-a-dia. Conduzir implica seguir uma série de regras, mas acima de tudo é sinónimo de responsabilidade e bom-senso. E é sobre isso que gostaria de opinar.

Existem várias manobras na condução: mudança de fila, mudança de faixa de rodagem, regras gerais, sinais horizontais e verticais, regras de passagem em rotundas, entre outras. Todavia, a mais perigosa e que implica obviamente maior responsabilidade, é a ultrapassagem. Acho que é tão evidente que até o podemos considerar um axioma. Ultrapassar são três manobras em conjunto, efetuadas a uma velocidade habitualmente mais elevada, que têm de ser coordenadas com o movimento dos restantes veículos. São nas ultrapassagens que qualquer problema mecânico ou erro de julgamento aumenta a probabilidade de acidente, invés de uma circulação à direita e a velocidade constante. Dito isto, podemos todos concordar que as ultrapassagens devem realizar-se em caso de necessidade e evitá-las faz parte do estilo de condução preventivo.

Com esta linha de pensamento em mente, o que observamos nas nossas estradas? Precisamente o contrário, com exageros em ambos hemisférios. Assistimos diariamente a condutores a variar a velocidade (andam devagar, depois aceleram, depois abrandam), condutores que já concluíram a ultrapassagem e mantém-se na esquerda (leia-se, já sem veículos à sua direita nem em frente), entre outros episódios. Todavia, algo salta à vista e é especialmente grave: a falta de avaliação de risco. Ultrapassar várias vezes é arriscado, circular a 130km/h é arriscado, retomar a direita sem deixar espaço é arriscado, entre outras manobras. Além de arriscado é estúpido, porque “ganham” o quê? Ficam um ou dois veículos à frente, 20 segundos? 30 segundos? Vale a pena arriscar um acidente, reboques, atrasos, seguros, para isso?

Disse logo no início que existe uma curva de aprendizagem entre o que se sabe ao sair da escola de condução e a prática do dia-a-dia. É que o mundo não é obviamente a preto e branco como o código de estrada, é às cores, com separação muito ténue entre tons. É preciso analisar as situações e fazer corresponder essa análise ao risco das decisões tomadas. Ter “razão” (leia-se, querer obrigar todos a circular à direita) não é motivo para se realizar manobras sancionadas pelo código ou colocar os outros em perigo.

O caso prático é circular na via rápida às 9h ou 18h. Obviamente vai existir tráfego nas duas filas, às vezes nem existindo grande diferença de velocidade entre ambas, com a exceção da direita, com as saídas e entradas. A questão essencial aqui é que circulam muitos veículos em ambas filas e um condutor, mesmo em manobra de ultrapassagem, por vezes não pode retomar imediatamente a direita porque o veículo à sua frente está próximo e/ou o veículo à direta que foi ultrapassado ainda não está suficientemente distante. Estamos a falar de uma via pública, onde temos de deixar distância entre veículos, não de uma corrida do WEC.

Isto tem um efeito de dominó, criando-se obviamente filas de veículos tanto à esquerda como à direita, o que parece contraproducente. Daí ser chamado “hora de ponta”, onde devido ao aumento de veículos a circular por hora, criam-se estas situações. Nem os que estão a circular à esquerda podem retomar a direita (porque estão em ultrapassagem e se retomarem a direita logo imediatamente a seguir terão de voltar a realizar uma ultrapassagem porque existem veículos lentos à direita), nem podem circular mais rapidamente porque têm outros veículos à sua frente.

Qual é a solução dos “ases” da estrada? Realizar múltiplas ultrapassagens, às vezes até pela direita, para ganharam um ou dois lugares na fila, em plena hora de ponta. E de forma brilhante, porque são “ases”, ao ultrapassar vão ocupar a distância de segurança entre veículos. Fantástico. Um condutor a circular já no limite de velocidade, à esquerda em manobra de ultrapassagem, com outros à sua frente, deixa espaço para poder travar em segurança e vem um “às”, com um “S” digno de corrida de automóveis, cola-se à traseira, guina à direita obrigando o veículo da direita a travar para dar espaço, acelera e guina novamente à esquerda ocupando o espaço entre os veículos a circular. E depois gesticula, cheio de razão.

Claro que tem razão, os outros deviam estar todos à direita. Os outros não podem fazer ultrapassagens em segurança, circulando e mantendo a distância até poderem retomar a direita quando possível. Foram os outros que fizeram manobras perigosas, quando o seu erro – se assim o podemos chamar – é estar à esquerda enquanto não podem retomar a direita.

Saliento que não me estou a referir a veículos isolados a circular teimosamente à esquerda sem motivo aparente. Existem de todos os tipos e feitios.

Já agora, também para evitar situações junto às entradas da via rápida, onde assistimos a condutores a alternar para a esquerda para “facilitar” a entrada de veículos, isto resolve-se com respeitar a “faixa de aceleração”. Quem entra na via rápida, de maior ou menor (mau) dimensão, existe uma faixa que permite ao veículo acelerar e entrar na via rápida a uma velocidade compatível com o andamento dos veículos já a circular naquela via. Não é para estacionar enquanto se aguarda um espaço, nem para ir “ocupando” quando estão muitos veículos atrás em fila de espera. Ao entrar no limite da faixa de aceleração, vai estar a entrar devagar, obrigando a quem circula pela direita a travar ou a mudar para a esquerda, aumentando o risco, tráfego na via da esquerda e possibilidade de acidente. Por favor, quem entra na via rápida, aguarde junto ao início da faixa de aceleração, verifique o espaço que tem para entrar, acelere e entre. Não é para acelerar dentro da via rápida, já deve ter andamento antes.

Obrigado.

PS1 - gostava de perceber através de uma estatística, quantos acidentes estes “ases” cheios de razão já tiveram. Imagine-se se soubessem conduzir..!

PS2 - sou profissional de condução à 34 anos. Categorias de A a D1, zero acidentes, por minha culpa ou culpa de terceiros.

Enviado por Denúncia Anónima
Quinta-feira, 3 de Agosto de 2023
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