N os últimos dias, a polémica em torno da apresentação de dança contemporânea com trajes tradicionais madeirenses na Bolsa de Turismo de Lisboa (BTL) tem inflamado debates, com críticas ferozes contra esta suposta "distorção" do património cultural. No entanto, estas críticas partem de pressupostos errados e de uma visão retrógrada sobre a arte e a cultura.
Antes de mais, convém esclarecer um equívoco fundamental: a BTL não é uma montra da Madeira para turistas. Não é um evento onde se apresenta a "verdadeira" cultura madeirense para que os visitantes fiquem com uma impressão autêntica da região. Pelo contrário, trata-se de um evento estritamente comercial, onde operadores turísticos e grupos hoteleiros negociam pacotes de viagens, ocupação hoteleira e outros serviços. Assim, o argumento de que esta performance artística pode levar os turistas a terem uma imagem deturpada da Madeira não se sustenta. Quem frequenta a BTL não está ali para "aprender" sobre a Madeira, mas para fazer negócios.
Além disso, a indignação contra o uso de trajes tradicionais fora do contexto folclórico ignora o princípio básico de que a cultura é viva e dinâmica. Se encararmos os trajes tradicionais como peças de museu, condenamo-los à estagnação e irrelevância. Integrá-los noutras expressões artísticas não desrespeita a tradição, mas antes reforça a sua presença no imaginário coletivo e permite novas formas de diálogo entre passado e presente.
Outro ponto recorrente nas críticas é a ideia de que a escolha desta representação artística foi um erro porque não teve aceitação do público. Esta noção é extremamente perigosa, pois reduz o valor da arte ao seu sucesso comercial ou à sua popularidade nas redes sociais. Uma expressão artística não deve ser validada pelos likes que recebe ou pela sua capacidade de gerar vendas em galerias. Se assim fosse, movimentos artísticos inteiros que inicialmente foram rejeitados pela sociedade teriam sido sufocados antes de poderem influenciar gerações futuras. Basta lembrar que o Impressionismo foi ridicularizado nos seus primórdios, e que Van Gogh morreu sem reconhecimento.
O papel da arte não é apenas agradar ao público, mas também desafiar, questionar e provocar emoções. O Governo Regional, ao permitir esta performance, não errou por escolher uma expressão artística que gerou controvérsia. Se errou em algo, foi em não ter explicado devidamente o contexto e a intenção desta escolha, permitindo que a desinformação se espalhasse. A cultura madeirense não é frágil ao ponto de ser ameaçada por uma apresentação de dança contemporânea. Pelo contrário, é suficientemente rica para se reinventar sem perder a sua identidade.
No final de contas, a verdadeira questão não é a dança em si, mas sim o medo da inovação e da reinterpretação da tradição. Em vez de rejeitarmos este tipo de iniciativas, deveríamos encorajá-las. A tradição não deve ser vista como uma relíquia intocável, mas sim como uma base para novas criações. Caso contrário, arriscamo-nos a transformá-la numa peça de museu sem vida, contemplada apenas por aqueles que recusam qualquer mudança.
PS - e a publicidade das batatas com o traje ninguém diz nada...
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Enviado por Denúncia Anónima
Segunda-feira, 17 de março de 2025
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