D iz a lenda que, em tempos de grande agitação política, quando as democracias tremiam e os tiranos usavam fatos caros, surgiu uma figura celestialmente autoritária: o bispo da ditadura. Não era capelão, não usava uma farda militar, era muito mais sofisticado do que isso. Com a batina bem passada e um olhar que misturava piedade e repressão, governava os seus fiéis com uma mão inclinada para o cor de abóbora e outra segurando um terço de prata. Com que um vade de retro.
A sua ascensão ao poder não foi exatamente democrática. Dizem que, um belo dia, os "generais" perceberam que precisavam de alguém que pudesse convencer o povo a aceitar as suas regras sem ter de gastar tanto na repressão que dava muito nas vistas. E quem melhor do que um homem de Deus para justificar que a miséria era uma prova divina e que obedecer era um ato de fé?
O Bispo rapidamente percebeu que era mais fácil liderar pelo medo do Inferno do que pelo amor ao Céu. Assim, os seus sermões tornaram-se manuais de conduta para a obediência cega:
“Bem-aventurados os que não questionam, pois deles será o silêncio eterno.”
“Dai ao ditador o que é do ditador e a Deus… bem, daremos notícias quando possível.”
A sua grande inovação foi transformar as igrejas em centros de reeducação patriótica. Os confessionários começaram a receber pecados novos e modernos:
"Padre, perdoe-me, li um panfleto subversivo!"
"Filho, rezai três Pai-Nossos e denuncia o vizinho."
O Bispo não se contentava com pouca coisa. A certa altura, decretou que até os santos deviam alinhar-se à ordem vigente. São Francisco, aquele pobre coitado amigo dos animais, começou a parecer demasiado comunista, enquanto São Jorge, com sua lança e armadura, foi promovido a patrono da ordem e da segurança pública.
E assim seguiu o Bispo, cada vez mais rodeado de políticos bajuladores, empresários devotos e fiéis cheios de medo. Quando alguém questionava o sistema, ele não se preocupava, havia sempre um novo milagre a anunciar ou uma nova praga a atribuir aos inimigos da pátria.
Mas, como tudo na vida, até as ditaduras passam. Um dia, os ventos da mudança chegaram. As multidões cansaram-se da fé imposta e do medo disfarçado de moralidade. E o Bispo? Bom, desapareceu misteriosamente, dizem que para um retiro espiritual num país sem tratado de extradição e onde os cavalos não se cansam.
Ainda hoje, nos corredores do poder, ecoa a sua última prece: "Oh Senhor, protegei-me da democracia, pois nela há perguntas demais e poder de menos!"
Enviado por Denúncia Anónima
Sábado, 15 de março de 2025
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