O fado do candidato desesperado


N a ilha Maravilha, onde os ventos mandam mais do que a lei e as marés sabem segredos que ninguém ousa contar, havia um candidato a presidente que nunca soube viver sem o cargo que lhe dava poder. Chamava-se Horácio Ventoinha, um homem de olhar matreiro e sorriso de lado, sempre pronto a discursar sobre o "bem do povo", enquanto o cofre público emagrecido se queixava baixinho.

O Presidente dos Dias Nublados

Migas Ventoinha, que já liderava a ilha há anos sem fim, descobriu cedo que o nevoeiro e o mau tempo eram os seus maiores aliados. Sempre que as nuvens cobriam o céu e os ventos sopravam forte, os aviões da Polícia Judiciária ficavam presos no continente, e os inspetores, de pastas cheias de provas e acusações, tinham que remarcar as visitas. Cada cancelamento de voo era uma pequena vitória, brindada com um copo de vinho velho e um riso contido no seu palácio de mármore, pago com fundos que ninguém sabia de onde vinham.

A Campanha do Desespero

Mas eis que as eleições se aproximavam e, com elas, o medo de perder tudo. Migas, que sempre olhara o povo como um rebanho para tosquiar, viu-se numa posição ingrata: precisava de votos, precisava de apoio... precisava falar com aqueles que sempre desdenhou.

Foi então que, no meio de uma noite de temporal, pegou no telefone laranja do seu gabinete e começou a ligar, um a um, aos mesmos empresários que antes lhe pagavam favores e agora lhe viravam a cara.

A cada toque de chamada, Migas cantarolava, inspirado pelos fados tristes do Max, tentando tocar o coração dos que roubou:

"Ó meu rico povo amigo,
não olhes pra minha mão,
se um dia tirei contigo,
foi em nome da eleição!"

Ligou ao velho dono da frota mercante, que sempre teve contratos públicos e concessões sem concorrência. Ligou ao magnata do cimento, que construiu rotundas onde nem havia estrada. Ligou até ao senhor da taberna, cujo licenciamento saíra num estalar de dedos. Mas os tempos mudaram e, um a um, todos lhe desligaram na cara.

O Fado do Agarrado ao Poder

Desesperado, Migas aumentou o volume do telefone e, com a voz embriagada de desespero, cantou para ninguém ouvir:

"Se o tempo ficar cinzento,
a justiça não vem voar,
mas se o sol der um momento,
serei eu a embarcar!"

E assim, naquela ilha onde os ventos controlam destinos e os políticos tentam dobrar as nuvens à sua vontade, Migas Ventoinha ficou sozinho, abraçado ao seu telefone laranja, esperando que o mau tempo durasse para sempre.

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