Horários do Funchal: O barulho que incomodou foi o sotaque.


N o passado mês de dezembro, uma passageira dos Horários do Funchal viu-se envolvida num episódio lamentável a bordo da carreira 10A. Às 08h00 da manhã, num transporte público que deveria garantir conforto e dignidade, foi interpelada de forma hostil por um motorista. O motivo? Ouvir música com auriculares e, pasme-se, cantarolar baixinho. Não se tratou de uma festa rave dentro do autocarro. Não havia colunas Bluetooth, nem gritaria. Apenas uma mulher, sentada com fones nos ouvidos, a viver o seu trajeto matinal com um mínimo de alegria. E ainda assim, foi repreendida de forma agressiva, como se a sua presença fosse um incômodo em si.

Mas há mais. A passageira em questão é Venezuelana, e não é difícil perceber que, para além do “barulho incomodativo”, o que realmente incomodou foi o seu sotaque. O tom com que foi abordada levanta uma suspeita inquietante: não terá sido apenas uma questão de ruído, mas de identidade. De preconceito. A passageira fez o que tantos não fazem: reclamou. E teve resposta, não do departamento jurídico, mas do Gabinete de Comunicação e Marketing, o que já nos diz bastante.

A carta enviada pela empresa é um malabarismo institucional: reconhecem a situação, citam regulamentos, repreendem “veementemente” o motorista, mas pedem desculpa… apenas pelo atraso na resposta. Ou seja: regra mantida, conduta reprovada, reputação protegida. Tudo embrulhado numa linguagem limpa e asseada, como se o problema estivesse resolvido com uma assinatura e um parágrafo bem redigido. Mas não está.

O que se passa nos autocarros do Funchal não é apenas uma questão de decibéis. É uma questão de postura. De humanidade. E, neste caso, de xenofobia encapotada. É o poder de humilhar sob o pretexto do cumprimento da norma. O poder de calar sob o ruído da burocracia. E o poder de arquivar situações como esta, esperando que o passageiro se conforme com uma palmada institucional nas costas.

Quem usa o transporte público todos os dias sabe: o problema não é o volume do telemóvel da passageira, é o silêncio cúmplice perante abusos rotineiros e discriminações normalizadas. A cidadania também se exerce nos bancos de um autocarro. E exige-se que o serviço público esteja à altura, não apenas da lei, mas da decência.

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