C hegou a primavera à Madeira, mas ninguém parece ter dado por isso. As flores brotam, os dias alargam, mas a cidade encolheu. Às 21h, numa sexta-feira, o Funchal é um deserto urbano. A cidade que antes pulsava com vida tornou-se um lugar onde o silêncio não precisa ser imposto: já é o padrão.
A vida noturna, que em tempos se adaptava com graça ao tamanho da ilha, foi extinta por um misto de desleixo, controlo político e apatia social. Sobram duas ou três zonas com algum ânimo, a Zona Velha, ali um pouco na Rua das Fontes… e claro, o NICO’s, o bar blindado por favores presidenciais, que goza do privilégio da exceção enquanto os outros são silenciados. Aparentemente, o monopólio também faz parte do menu noturno.
O resto da cidade? Um velório de vontades. Uma mortandade em câmara lenta. Já nem é preciso toque de recolher, o povo recolhe-se sozinho. O que antes eram noites de sexta e sábado com música, riso e encontro, agora são passeios de zombie pelos corredores de centros comerciais. Não há consumo, não há vivência, não há calor humano, apenas movimento mecânico, como se andassem à espera que algo acontecesse. Spoiler: não acontece.
E se à noite reina o tédio, durante o dia reina o caos. Uma selvajaria de carros, buzinas, turistas aos magotes e filas para tudo. Os sítios que eram pacatos, refúgios com alma, viraram parques temáticos de mau gosto. A ilha foi vendida ao turismo de pacote, sem critério, sem filtro, sem qualidade. O que interessa é encher. Encher de gente, encher de obras, encher de betão, encher de lucro fácil. O resto? Que aguente.
Este modelo de desenvolvimento já deu o que tinha a dar. Um governo com meio século de poder começa a dar sinais de cansaço, não só físico, mas sobretudo ético e criativo. A aposta é sempre a mesma: mais betão, mais carros, mais concessões, mais “eventos” que esvaziam o conteúdo e enchem a vista. Mas a cultura, o convívio, a dignidade da noite e do dia, esses foram-se. E ninguém parece disposto a lutar por eles.
Estamos a transformar a Madeira num lar geriátrico durante a noite e num parque de estacionamento desgovernado durante o dia. É essa a herança da estabilidade de plástico: silêncio e engarrafamento.
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