Senhoras Deputadas Sílvia Sousa e Sancha Campanela:
Exmas. Senhoras Deputadas,
O que se passou na Assembleia Legislativa da Madeira não foi apenas um episódio de destempero institucional. Foi, sim, um claro atropelo à dignidade parlamentar, à igualdade de tratamento, e à honra pessoal e política de V. Exas., que não pode, nem deve, ficar impune sob o manto da imunidade ou da normalização da grosseria institucionalizada.
O secretário regional do Turismo, Eduardo Jesus, ao proferir expressões como “gaja”, termo pejorativo, popularmente depreciativo quando usado em contexto formal, e “mandou-me para o caralho” em sede de plenário, incorreu, à luz da lei penal portuguesa, em eventual prática de difamação agravada (art. 180.º do Código Penal), injúrias públicas (art. 181.º), e atentado à honra no exercício de funções públicas.
Fundamento jurídico:
- O art. 180.º do Código Penal pune quem, dirigindo-se a outrem, impute factos ou formule juízos ofensivos da honra ou consideração de uma pessoa. Quando praticado com publicidade ou em reunião pública, como num parlamento regional, trata-se de difamação agravada.
- O art. 181.º, relativo à injúria, tipifica como crime as expressões ou palavras que ofendam diretamente a honra ou consideração do visado.
- Acresce ainda o agravamento pelo exercício de cargo público (art. 184.º), aplicável quando o crime é cometido por titular de cargo político, com abuso das suas funções.
- O Regulamento da Assembleia Legislativa da Madeira exige comportamento condigno entre os seus membros. O uso do termo “gaja” em referência a uma deputada representa uma violação flagrante do decoro parlamentar e da ética institucional, sendo um possível caso de assédio verbal e violência política com base no género, matéria reconhecida em diversos tratados internacionais que Portugal subscreveu.
Os cargos políticos não conferem salvo-conduto para o insulto. Quando se normalizam ofensas com base no género, está-se a abrir um precedente perigoso para o enfraquecimento do espaço democrático, especialmente para as mulheres na política. É imperioso que se demonstre, através dos meios legais, que a honra das deputadas não é descartável em função da verborreia agressiva de um secretário regional.
Apelo ao Presidente da República, Professor Marcelo Rebelo de Sousa
Apelamos, com o devido respeito, a V. Ex.ª, enquanto garante do regular funcionamento das instituições democráticas(art. 133.º da Constituição da República Portuguesa), e defensor declarado da causa da igualdade de género e da urbanidade política, que se pronuncie publicamente sobre este episódio.
A sua intervenção simbólica — e até formal, junto do Representante da República na Região Autónoma da Madeira — seria um sinal claro de que os valores da República não são suspensos à porta de uma assembleia regional.
Senhoras Deputadas,
A democracia só sobrevive se houver consequências.
Aceitar caladas este tipo de linguagem e conduta é abrir caminho para que outras mulheres, deputadas, jornalistas, autarcas ou cidadãs comuns, continuem a ser tratadas como alvos aceitáveis de abuso verbal político. Não se trata apenas de um desabafo grosseiro, trata-se de uma mensagem de impunidade.
O Estado de Direito existe para proteger a dignidade humana e política de todos. Não o usar é consentir o seu esvaziamento.
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