A cooperativa é nossa, o lucro é deles.


O ra aqui está uma daquelas coincidências que fazem lembrar enredos mal escritos de novelas: uma cooperativa de habitação, criada para dar resposta à crise habitacional, construída com dinheiro público — via PRR, benefícios fiscais e outras generosidades — transforma-se, na prática, numa próspera incubadora de Alojamento Local. Mas não qualquer AL — são frações AL VIP, com rendas a começar nos 1.200 euros, para turistas e nómadas digitais com bom gosto e cartão de crédito.

No centro desta história está a ilustre família Lucas. O patriarca, João Lucas, é um nome recorrente no setor, com ligações diretas à cooperativa e ao PSD. Os seus filhos, Sónia e Abel Lucas, são também conhecidos no meio. Não por estarem inscritos no programa Porta 65, mas por serem proprietários de um número generoso de alojamentos locais, além de gerirem dezenas de AL’s pertencentes a terceiros. Um verdadeiro serviço público… para turistas.

Mas o melhor é que esta coincidência genética e imobiliária culmina com o genro de João Lucas — uma personagem ativa nas redes sociais, defensor acérrimo da moral revolucionária, BE convicto, uma espécie de Robles importado para a Madeira, com lugar cativo nos insultos personalizados. Entre chamar “fascista” a tudo o que mexe (desde que não alugue casas a 1.200 euros), ainda arranja tempo para atacar jornalistas, cidadãos e políticos que se atrevam a denunciar a contradição ética entre a defesa da habitação acessível e o subarrendamento de imóveis subsidiados a turistas endinheirados.

Diz-nos a Cortel, a cooperativa em causa, que alguns cooperantes terão prestado “informações falsas” à autarquia. Que coisa. Ninguém podia prever que dar apartamentos a preços controlados a promotores de AL daria nisto. Como também ninguém podia imaginar que as moradias unifamiliares surgissem em loteamentos sociais ou que os carros topo de gama estivessem estacionados em bairros de renda apoiada.

O que temos aqui é mais do que um simples problema de regulação. É uma ópera bufa sobre como captar fundos públicos em nome da classe média e baixa, para depois rentabilizar os imóveis junto da classe alta estrangeira. Tudo isto com uma pitada de moralismo político à la carte, onde “fascista” é quem questiona e “progressista” é quem fatura.

A autarquia promete mão pesada e investiga documentos forjados. O povo espera sentado — mas com ironia. Porque no país das coincidências, quem se aloja localmente são sempre os mesmos.

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