O que Paula Margarido não contou ao Tony Carreira ...


... no centro de paralisia em Santa Rita

E stá na memória coletiva de todos os funchalenses e madeirenses que Paula Margarido afirmou que a pobreza na Madeira é sobretudo consequência de alcoolismo e toxicodependência. Palavras que ficaram marcadas também pela frase: “a miséria é de cabeça”, acompanhada da ideia de que os indicadores oficiais nacionais “não correspondem à realidade vivida” na Região.

Estas afirmações revelam não só desconhecimento técnico, mas também um olhar profundamente estigmatizante sobre as famílias em situação de vulnerabilidade. Reduzir a pobreza à culpa individual, ignorando fatores estruturais como baixos salários, precariedade habitacional ou fraca mobilidade social, é ofensivo, reducionista e politicamente perigoso.

Mais grave ainda é utilizar a toxicodependência como explicação para fenómenos sociais complexos, como se as pessoas em situação de pobreza fossem culpadas da sua condição. Esta leitura moralista colide diretamente com o conhecimento científico, e o caso da paralisia cerebral é um exemplo paradigmático.

Estudos demonstram que o consumo de álcool e drogas durante a gravidez pode, de facto, causar lesões cerebrais graves nos bebés, incluindo paralisia cerebral. Mas usar esse dado para construir um argumento que desresponsabiliza o Estado e culpabiliza mães vulneráveis é distorcer a evidência. Por outro lado, pessoas com paralisia cerebral que consomem álcool ou drogas enfrentam riscos agravados à sua saúde, o que exige respostas de apoio e inclusão, não estigmatização.

No terreno, instituições como o Centro de Paralisia Cerebral de Santa Rita enfrentam sérias dificuldades. Apesar do trabalho meritório, não existe registo público de apoios diretos do Governo Regional da Madeira a este centro. O suporte às famílias é feito, em parte, por via de transferências indiretas, como a PSI (Prestação Social para a Inclusão), e de projetos pontuais com IPSS ou fundos europeus. Ou seja: o Estado demite-se da resposta estruturada, e depois culpa quem precisa dela.

Paula Margarido escolheu virar o discurso político contra os mais frágeis, ignorando a realidade material, médica e social de milhares de madeirenses. A sua intervenção representa um retrocesso perigoso no combate à exclusão, baseado num preconceito que não se sustenta nem nos dados, nem na dignidade humana.

Foi, portanto, com total admiração que vimos Paula Margarido levar Tony Carreira ao Centro de Paralisia Cerebral de Santa Rita. Um gesto bonito, sem dúvida. Mas depois ficámos a pensar se a Senhora Secretária não estará convencida de que é a única pessoa que reza a São Josemaría Escrivá. Não, cara Senhora. Existem mais pessoas, mais caminhos espirituais, e os santos, especialmente esse, não têm linhas dedicadas nem exclusividades governativas. São, como se diz, chamadas universais, e não linhas VIP.

Santo André , São Francisco Bartolomeu e Tomé também fazem parte do colégio dos apóstolos, e intercedem com o mesmo zelo, sem precisar de despacho interno ou protocolo. E, veja bem, nós que aqui escrevemos esta reflexão também temos os nossos santos, alguns ligados à Itália, onde, por acaso, governa uma mulher, onde, por acaso, está o Vaticano, e onde, por acaso, todos os santos ouviram o que Vossa Excelência disse sobre os pobres da Madeira. Um bem-haja, Senhora Secretária. E não se esqueça: também nós lemos Shakespeare, e conhecemos a grande história de amor de Romeu e Julieta, com todos os enganos, desencontros e tragédias políticas que ela encerra.

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