O regresso de Raimundo em defesa da Laurissilva.


As alterações climáticas potenciam...

A té que enfim que vejo Raimundo Quintal no ativo. Não dei foguetes logo no início, mas aqui estou para corroborar. São poucos os ambientalistas que podem falar para lá de tantos "presos" ao Governo, alguns, malditos, fundamentam com estudos de "impacto" ambiental as tropelias do Governo Regional. É preciso mais gente a falar porque é dilacerante o silêncio perante tanto "crime". Atentados, negligência, incúria, deixa andar sem orçamento para além do betão.

Aí está um alerta ambiental e político muito bem fundamentado e com um alcance de grande seriedade, vindo de uma figura respeitada na área da botânica e geografia da Madeira. A notícia funciona como um espelho que valida e amplifica a gravidade da publicação original do Facebook e acompanha tanta gente que faz o que pode, publicando no Madeira Opina. Único lugar onde se pode falar, o jornalismo odeia Opinião Pública, mas gosta de que alguém fale por eles, como que para lavar a cara na pluralidade.

A intervenção de Raimundo Quintal não se limita a uma queixa ambiental; é uma crítica técnica e uma denúncia do incumprimento de um compromisso internacional (o acordo com a UNESCO). O seu texto é estruturado para demonstrar o fundamento biológico da ameaça e o alcance político-internacional da negligência.

1. Fundamento Biológico e Técnico da Ameaça

O ponto de partida do alerta é a ciência: o avanço das espécies invasoras.

1.1. O Caráter Único da Laurissilva

A Laurissilva foi classificada como Património Natural Mundial da UNESCO em dezembro de 1999 porque representa um ecossistema relíquia do Período Terciário (com cerca de 20 milhões de anos), que outrora cobria o sul da Europa. A sua importância reside na sua integridade biológica e na elevada taxa de endemismo (espécies que só existem ali).

1.2. A Agressão das Invasoras

Raimundo apresenta uma lista extensa de espécies (como Hedychium gardnerianum - Bananilha, Pittosporum undulatum - Incenseiro, e as Acácias). Estas plantas exóticas são extremamente competitivas e adaptáveis. O seu crescimento rápido (como a Bananilha nas linhas de água, que o autor compara à situação "irreversível" de São Miguel) forma densas monoculturas, sombreando e sufocando a flora nativa da Laurissilva (Til, Loureiro, Vinhático). Estamos a falar de competição e substituição, mas também de perda de característica. Quando as invasoras substituem as espécies endémicas e autóctones, a floresta deixa de ter as características de "integridade" e "autenticidade" que a levaram à classificação da UNESCO. O "Valore Universal Excecional" (VUE) que lhe valeu o galardão é, na prática, desmantelado.

1.3. O Desafio da Escala

Raimundo sublinha que o problema das invasoras é mais preocupante do que a poluição do turismo, porque exige uma intervenção de combate de escala e complexidade muito superior. Eliminar manualmente ou quimicamente (de forma sustentável) vastas populações de invasoras numa área de difícil acesso requer "meios humanos e de equipamentos muito, mas muito, superior aos exercícios pontuais" realizados. Este é o fundamento técnico para a sua crítica à insuficiência dos esforços atuais.

2. Alcance do Risco de Perda do Selo UNESCO (Desclassificação)

O risco de perder o estatuto de Património Mundial não é uma ameaça retórica, mas uma consequência real de não se cumprirem os requisitos de conservação.

2.1. O Compromisso Ignorado

O "selo" da UNESCO é atribuído sob a condição de que o Estado-Parte (Portugal, neste caso) assegure a proteção e gestão eficaz do local. Quintal recorda que o Governo Regional assumiu o compromisso de "colocar um travão nas ameaças" que já eram percetíveis em 1999. A sua metáfora do "travão pouco utilizado e o acelerador descontrolado" simboliza a falha na gestão e o crescimento exponencial da ameaça.

2.2. O Mecanismo de Risco Internacional

O processo que leva à desclassificação é gerido pelo Centro do Património Mundial da UNESCO e pelo seu órgão consultivo para a natureza, a IUCN (União Internacional para a Conservação da Natureza).

A invasão biológica é uma ameaça primária à "integridade" do local. Se a UNESCO/IUCN considerar que o VUE está em perigo iminente devido à negligência, o local pode ser colocado na Lista do Património Mundial em Perigo. Esta lista serve como um aviso final, incentivando ações corretivas urgentes.

A desclassificação (retirada da lista) ocorre se o local perder de forma irreversível as características que justificaram a sua inscrição. A destruição da flora endémica pela invasão biológica enquadra-se perfeitamente neste cenário. Embora seja um passo raro, a desclassificação já ocorreu (por exemplo, o Vale do Elba em Dresden, Alemanha).

2.3. O Alcance da Crítica Política

Ao dizer que "governantes e autarcas continuam a prometer plantação de alcatrão na floresta indígena e a Madeira como destino de golfe", Quintal direciona o seu argumento para a prioridade política. O alerta sugere que o foco no desenvolvimento económico (turismo de massas e infraestruturas, como a expansão de estradas e campos de golfe) está a ofuscar a "invasão silenciosa" e a esvaziar a importância real da floresta como um bem biológico insubstituível.

O texto de Raimundo Quintal e a respetiva notícia são um alerta justificado e de alto risco. A sua base é sólida, ancorada na realidade da invasão biológica que destrói as espécies endémicas e descaracteriza a floresta relíquia, atacando diretamente a integridade do local. O seu alcance é máximo, pois aponta para a consequência mais grave possível a nível internacional, a perda do título de Património Natural Mundial da Humanidade. A Madeira depois venderá alojamento local, hotéis, renta-cars?

Esta desclassificação traria consigo não só um enorme prejuízo para a imagem internacional da Madeira, mas confirmaria o fracasso em proteger um ecossistema único, um "tesouro" natural da humanidade. A crítica final é um apelo à inversão das prioridades, exigindo que a conservação da biodiversidade seja colocada à frente do desenvolvimento do turismo de massas e de infraestruturas.