O aumento do cancro ganha um superlativo


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M uitos já reparam no jornalismo de ditadura da Madeira, não sei se as pessoas aceitam, se acostumam ou são passivas, o facto é que cada vez mais não há crítica neste jornalismo, vejamos! Esta é uma notícia política de superlativo ao rastreio e não ao cerne da questão, o aumento do cancro. Não saiu nenhuma notícia sobre as possíveis razões, que é o que interessa para as pessoas terem informação importante para a sua vida.

É um clássico de enquadramento de notícia (ou framing), onde a narrativa é intencionalmente desviada do problema subjacente (o aumento da incidência do cancro) para o sucesso na resposta a esse problema (o rastreio).

O presidente da Liga, ao associar o aumento dos casos ao "sucesso no rastreio e no diagnóstico precoce", está a fazer uma distinção crucial em termos de saúde pública, mas que ignora o cerne da sua preocupação. Para um grupo de PSDs, o foco ficou-se pelo rastreio e pedido de sede. O aumento dos números de diagnóstico significa que o sistema de saúde está a funcionar bem, detetando tumores em fases iniciais, o que aumenta a taxa de sobrevivência ("também há mais pessoas a dizer ‘eu venci’"). Para uma autoridade de saúde, este é um indicador de eficácia. É o lado positivo destacado (foco da notícia)

Mas há um lado crítico que nunca é destacado, porque o sucesso é apresentado no rastreio da doença e não em promoção de vida saudável para além do hereditário. O sucesso do rastreio não explica por que motivo há mais pessoas a desenvolver a doença. A notícia, ao focar-se na "prevalência" como "fruto do trabalho da Liga," desvia o debate das possíveis causas ambientais, de estilo de vida ou genéticas que estariam a levar a um aumento da incidência real (novos casos surgidos por ano). Com os bolsos vazios e a pobreza a crescer, que alimentação e hábitos têm as pessoas?

Esta notícia tem um caráter mais institucional e reivindicativo (divulgar a campanha Outubro Rosa e pedir a nova sede) do que epidemiológico. O Diário de Notícias é cada vez mais um brinquedo que serve os interesses dentro de um partido.

Os motivos para a ausência do debate sobre as causas subjacentes quais são? Creio que estes...

Identificar as causas exatas do aumento da incidência de cancro é um trabalho complexo que exige estudos epidemiológicos aprofundados, cruzamento de dados de registos oncológicos e análise de fatores de risco locais (alimentação, poluição, hábitos, etc.). A governação é cada vez mais imediatista de serviço a clientelas, se uns governam assim, não facultam uma notícia fácil de resumir numa conferência de imprensa. É premeditado colocar os jornalistas, já de si do poder, enfiados num curral informativo.

É mais vantajoso, em termos de imagem e política de saúde, focar-se naquilo que a instituição (a Liga e o Serviço Regional de Saúde) está a controlar e a fazer bem (o rastreio e o apoio) do que em fatores que podem ser mais difíceis de resolver ou que possam implicar crítica a políticas ambientais/sociais.

A distinção entre "mais casos detetados" e "mais pessoas a desenvolver a doença" é frequentemente confusa para o público. A notícia optou por apresentar o número crescente como um sucesso de deteção, e não como uma falha de prevenção.

A notícia é eficaz a reportar o sucesso na resposta (rastreio), mas falha em iniciar ou reportar o debate sobre a causa (prevenção e fatores de risco), que seria o passo mais importante para, a longo prazo, diminuir a necessidade de rastreios cada vez mais intensivos.