O espelho de uma sociedade que venera ídolos e esquece pessoas.


A Glória e o Vazio

N um mundo que celebra fortunas e esquece causas, Cristiano Ronaldo é menos um homem do que um espelho, o reflexo polido de uma civilização que mede o valor em milhões e a virtude em seguidores. O seu império brilha, mas o brilho cega: hotéis de luxo, jatos privados, campanhas publicitárias. Uma máquina perfeita de rendimento e imagem. Mas, no fundo, resta uma questão que resiste à idolatria, o que significa “grandeza” num tempo em que a miséria dorme à porta dos palácios?

A desigualdade não nasce apenas da ausência de riqueza, mas da indiferença perante o sofrimento. Ronaldo, como tantos outros ícones globais, encarna o paradoxo do século XXI: a abundância que ignora a fome, a fama que vive divorciada da responsabilidade moral. O herói nacional converteu-se numa marca registada; o menino pobre da Madeira, num emblema da elite que um dia o ignorou.

Não se trata de negar o mérito, o talento ou o esforço, trata-se de interrogar o silêncio. Onde estão os abrigos, as escolas, os espaços de dignidade que a sua fortuna poderia erguer? A filantropia que se mede nas conferências e nos cheques é uma anestesia social: acalma a consciência, mas não cura a injustiça.

O problema não é apenas Ronaldo, é o sistema que o venera. Um sistema que transforma os atletas em deuses e os cidadãos em espectadores. Que aplaude o sucesso mas tapa os olhos à exclusão. Que ensina que ajudar é opcional e que ser solidário é uma campanha de imagem.

Portugal, a Madeira, o mundo, todos temos parte nesta cegueira coletiva. É fácil exigir de um homem aquilo que recusamos exigir de nós próprios. Mas é legítimo exigir a quem tanto tem uma medida de exemplo. Porque o verdadeiro legado não está nas taças douradas nem nos contratos bilionários. Está na capacidade de usar o poder para corrigir o desequilíbrio que o poder criou.

Enquanto o ouro cintilar mais alto do que o grito dos pobres, continuaremos a confundir o sucesso com a virtude, e o silêncio dos ricos com a música da esperança.