A política madeirense atravessa um momento em que o ruído interno ameaça substituir o essencial. Fala-se de “limpezas”, invocam-se virtudes, multiplicam-se juízos morais (link). Mas a pergunta decisiva permanece: onde estão os critérios, os dados, o método? Sem definição, não há reforma; há arbitrariedade. Sem projeto, não há futuro; há sobrevivência.
Consideremos o óbvio. Uma democracia funcional exige partidos coesos, regras claras e responsabilidade verificável. Em sistemas proporcionais, a fragmentação da esquerda não purifica: reproduz o poder da direita incumbente. É um padrão conhecido. Quando a oposição se divide, o governo agradece. Na Madeira, esse governo chama-se PPD. O beneficiário imediato da desunião tem nome próprio.
O debate sério começa por definir conceitos. “Mérito” exige métricas. “Regeneração” exige procedimentos. “Rutura” exige desenho institucional. Sem isto, a retórica substitui a política. Critica-se o agrado enquanto se promete aplauso; denuncia-se a fragilidade enquanto se propõem ruturas sem explicar como não a agravam. É uma contradição estratégica.
Ancorar a política na realidade implica reconhecer os factos materiais: habitação inacessível, salários que não acompanham o custo de vida, pressão sobre serviços públicos. Estes problemas não se resolvem com metáforas morais. Resolvem-se com políticas públicas executáveis: habitação pública em escala, salários dignos, proteção social eficaz, planeamento e avaliação. A economia política ensina-nos que a desigualdade cresce quando a esquerda se afasta das condições concretas da vida.
Estruturar a resposta é simples e exigente. Primeiro, coerência: não se pode invocar virtude para dispensar regras. Segundo, evidência: causas e efeitos devem ser demonstrados, não sugeridos. Terceiro, responsabilidade: propostas devem ser testáveis e avaliáveis. Um argumento que não pode ser falsificado não é sério; é opinião.
Fortalecer a democracia interna não é apontar dedos; é estabelecer normas, garantir equidade e promover competência comprovada. Regenerar é governar melhor, não dividir para capitalizar indignação. A personalização moral aproxima-se perigosamente da gramática populista: simplificar o complexo em “bons” e “maus” fragiliza instituições e empobrece o debate. A Madeira precisa de ordem, proporção e propósito — não de purgas simbólicas.
Há uma saída estratégica. Unidade com método. Crítica com proposta. Rigor com esperança. A social-democracia vence quando oferece segurança económica, justiça social e instituições fortes. O adversário não está dentro do PS. Está nas desigualdades persistentes, nos salários curtos, na governação que se perpetua porque a oposição se dispersa.
Regenerar é decidir com critério, agir com dados e responder à vida real. Tudo o resto é ruído. E o ruído, na Madeira, tem um efeito conhecido: a direita agradece.
