A curiosa patologia política e zoológica da direita portuguesa


A recente vaga de declarações e manobras no espectro da direita portuguesa revela um quadro fascinante, onde a patologia política se entrelaça com uma peculiar compreensão da zoologia e da história.

A súbita indisposição televisiva de André Ventura, convenientemente manifestada perante as câmaras, ecoa uma estratégia bem conhecida da extrema-direita internacional, com Trump e Bolsonaro como exemplos paradigmáticos. A necessidade de um "veterinário" para a sua "raiva" é, decerto, uma metáfora, mas levanta a questão: será este um sinal divino, quiçá uma moderna advertência de Fátima contra o perigo democrático que o CHEGA representa? A mitomania compulsiva, diagnosticada por alguns observadores, parece ser uma característica intrínseca a esta figura, cuja relação com a veracidade se revela, no mínimo, flexível. A mera permissão da sua candidatura afigura-se, para muitos, um anacronismo democrático, com o seu lugar ideal a ser, outrossim, a reclusão.

O CHEGA, esse curioso amálgama de hipocrisia e amnésia histórica, critica o Estado enquanto vorazmente se alimenta dos seus recursos, numa dança demagógica que espelha os seus congéneres internacionais. A sua pose "anti-sistema" desmorona-se face aos seus gastos de campanha estratosféricos e à gritante disparidade entre as suas ambições salariais (4.185€ por deputado) e a realidade económica da Madeira (915€ - 1.475€). Esta desconexão ideológica da direita, patente na sua agenda de privatização do Serviço Nacional de Saúde (SNS) – ignorando a dependência da maioria num robusto Estado Social, à semelhança dos países nórdicos ou do Reino Unido – e na sua retórica xenófoba – convenientemente esquecendo a rica história de emigração de Portugal – desmascara um partido que serve uma elite, não o povo. A visão da Iniciativa Liberal, com a sua privatização ao estilo americano defendida por um Rui Rocha (com rendimentos de 7.616€), sublinha este abismo entre a experiência da maioria dos portugueses e a sua agenda política.

A aparente flexibilidade política de Rui Rocha, curiosamente sincronizada com a possibilidade de ascender a um salário ministerial (7.616,83€), levanta sérias questões sobre as suas prioridades, num país onde o salário mínimo se arrasta nos 870€ e a média salarial nos 1.528€. A prioridade, a julgar pelos números, parece residir na manutenção de um padrão de vida privilegiado, distante da realidade da maioria. A agenda da Iniciativa Liberal, com a sua defesa da privatização de serviços essenciais e de um imposto único, prenuncia um agravamento das desigualdades, onerando precisamente as classes média e baixa, com o benefício concentrado no topo da pirâmide económica. A sua retórica populista soa vazia para quem enfrenta as dificuldades do dia-a-dia, e a ânsia de protagonismo político de Rui Rocha parece eclipsar qualquer genuíno interesse no bem comum.

A arrogância da direita, frequentemente mascarada por uma pretensa superioridade intelectual, revela uma profunda desconexão com a realidade socioeconómica da maioria dos portugueses. A sua agenda de privatizações na saúde, defendida pelo PSD – curiosamente o partido que votou contra a criação do SNS em 1979 – e pela Iniciativa Liberal, ignora a importância vital deste serviço para quem não dispõe dos rendimentos da classe política. O "D" de democracia no PPD, fundado por um antigo membro da União Nacional, o partido único do Estado Novo, soa ironicamente deslocado, como um verniz democrático sobre raízes autoritárias.

Finalmente, a iminente comunicação presidencial no dia de reflexão levanta legítimas suspeitas de preocupação com um resultado eleitoral desfavorável à AD. A função presidencial exige uma postura de equidistância, representando todos os portugueses, e não apenas uma fação política.

E para dissipar qualquer dúvida sobre a fauna exótica mencionada, convém recordar que os elefantes são endemismos de África e Ásia, e a Amazónia, essa joia sul-americana, não consta do seu habitat natural. Talvez esta confusão zoológica seja apenas mais um sintoma da desconexão da direita com a realidade, seja ela política, económica ou geográfica.

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